Artigo:
Crianças Inquietas Ou Hiperativas ?
O momento sócio-cultural contemporâneo em que vive uma criança hoje é certamente diferente do mundo em que viviam seus pais quando crianças.
Antes devíamos lidar com o “não ter”, com o adiantamento de uma satisfação. Por outro lado, nos tempos atuais da globalização à internet as crianças podem querer e ter tudo de forma mais rápida e descartável, identificados ao mercado, em detrimento do meio familiar que deveria ser o referente mestre do desenvolvimento e socialização infantis.
A expectativa dos pais é que os filhos sejam felizes, inteligentes, competentes e que não decepcionem frente ao computador, afinal, eles “têm de tudo”. Mas a realidade mostra que não existe garantia prévia de felicidade absoluta, e o que vem preencher este lugar na atualidade é o gozo constante, o consumo imediato e sem contestação. No entanto, as crianças contestam colocando à prova nossos limites, e esta oposição às vezes se apresenta por meio de um sintoma.
Entretanto a escola continua sendo o espaço onde a criança vai expressar o que “não vai bem”, sinalizando com problemas de comportamento ou aprendizagem o mal-estar infantil. Se antigamente considerávamos as crianças como sapecas, arteiras ou desobedientes, atualmente a inquietude, dispersão e impulsividade constituem a nova forma de nomear e agrupar o comportamento infantil. Nesta mudança de nomenclatura as crianças em geral são agora denominadas “ hiperativas ou com déficit de atenção”, utilzando-se a medicação como solução mais imediata para acalmá-las.
Segundo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção, os sintomas surgem antes dos sete anos, em crianças que resistem em aceitar regras, impulsivas, pouco atentas ou dispersas, associada à dificuldades na escola e a problemas de relacionamento.
O diagnóstico é baseado na história clínica da criança, não existindo exames laboratoriais que determinem este transtorno, que é de etiologia desconhecida.
O que chama a atenção é o grande número de crianças indisciplinadas e agitadas, sendo medicadas e unificadas com o diagnóstico de – TDHA –, supondo uma afecção cerebral na maioria dos casos atendidos. O tratamento químico como suporte é importante e necessário em casos específicos, mas não deve ser utilizado de forma generalizada na maioria das crianças inquietas e com dificuldade em aceitar limites.
Há muitos fatores que podem fazer com que uma criança apresente problemas de comportamento, podendo relacionar-se à dificuldades escolares específicas, problemas familiares, sócio-econômicos , visuais/auditivos ou outros. Inquietude, dispersão e impulsividade são comportamentos infantis até certo ponto esperados, mas o que se torna preocupante é o grande número de crianças diagnosticadas como TDHA (Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade).
Os conflitos neuróticos infantis deveriam ser entendidos como uma mensagem de que algo não vai bem , e como um pedido de reconhecimento num momento de desamparo. Neste sentido, não cabem respostas rápidas ou mágicas, para a resolução dos sintomas, com o risco da criança ter amortecida sua própria singularidade e subjetividade num consumo tão precoce de medicamentos, além dos efeitos colaterais de sonolência, tontura e perda do apetite na maior parte dos casos.
Um diagnóstico adequado requer não só o critério médico, mas também avaliação psíquica, educacional e social, pois geralmente a agitação excessiva e a dispersão costumam ser apenas a ponta do iceberg do que há de particular na estrutura psíquica de muitas crianças, talvez efeito das novas formas de subjetivação de nossa época atual.
A integração de pais, escola, técnicos e comunidade nesta questão pode possibilitar outros caminhos alternativos, que deve preservar e favorecer a expressão infantil.