domingo, 6 de julho de 2025

ABORDAGEM PSICANALÍTICA DA DEPRESSÃO

 
ABORDAGEM PSICANALÍTICA DA DEPRESSÃO 

A ética da psicanálise não compartilha das práticas que fazem da clínica da depressão um universal a ser somente medicado.
O mal estar psíquico faz parte da vida de forma intensa em algumas fases da nossa vida.
Uma boa saída é poder atravessar os obstáculos sem apenas  amortecê-los na medicalização. Utilizá-la como um suporte na travessia da angústia, e não como um fim em si mesmo.
A abordagem psicanalítica visa, pelo contrário, a implicação da pessoa em sua história singular e responsabilização na construção de suas próprias questões, ao ser ouvido. E ultrapassar adversidades não é algo que se possa fazer sozinho.
Segundo o psicanalista J.Lacan, a única coisa da qual o sujeito pode ser culpado é de haver cedido de seu desejo.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

DROGAS: ATO NO CORPO QUE FAZ INEXISTIR O OUTRO.

Na repetição da busca e do ato de se drogar, cria-se a ilusão de obter um prazer completo e instantâneo, na tentativa de preencher o vazio que a angústia promove. Comunica-se com seu corpo, sem precisar usar palavras, barrando o encontro com o Outro. O prazer imediato da química no corpo amortece o desejo, produz uma parceria fechada com a droga e dispensa a busca de prazer no encontro e relação com as pessoas. É como se sozinho encontrasse todas as respostas que as questões da vida nos impõe, fazendo um curto- circuito psíquico ao renunciar ao laço social. Imagem: m. boyayan

segunda-feira, 8 de abril de 2024

DEPRESSÃO : MAL ESTAR CONTEMPORÂNEO


A tristeza como afeto depressivo revela um desamparo e uma impotência difícil de expressar em palavras. É uma abstenção, um “não dizer” de si, em um recolhimento perante a vida. 
O preconceito social segrega e transforma uma dificuldade emocional em fraqueza e inibição, dificultando pedir ajuda para falar de si com um amigo, familiar ou terapeuta.
Nesse sentido, o abuso dos antidepressivos pode legitimar a depressão como um modo de vida, sem que a pessoa se implique em seu sofrimento, como uma reação possível à inconsistência do mundo contemporâneo.
Não se trata de preguiça, mas de um sentimento que não engana, a angústia, que precisa ser acolhida e ouvida para ser ultrapassada.
As soluções rápidas revelam a pressa contemporânea, que retarda a implicação do sujeito nos sintomas que revelam o mal estar, para que de fato sejam tratados.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

AUTISMO

"EPIDEMIA DIAGNÓSTICA E TRATAMENTOS"
O autismo não é localizado em exames de sangue ou cerebrais, pois o diagnóstico é clínico, nos sintomas que se apresentam. Com o DSM-5 (2013), o espectro autista se transforma em um transtorno do neuro-desenvolvimento, que prioriza a adaptação cognitiva em detrimento da complexidade psíquica, e apaga o sujeito a ser trabalhado subjetivamente, visando especialmente a adequação do comportamento. O efeito é apatologização da infância, epidemia diagnóstica de autismo, medicalização crescente de crianças, tratamentos adaptativos de alto custo financeiro, que visam o desempenho e automatizam o comportamento. Abordagem de mercado divulgada nas mídias, que propaga uma falha no cérebro que não está comprovada pela ciência, treinando crianças sem levar em conta as causas, os afetos singulares e o entorno familiar tão importantes para o tratamento. Penso que a intervenção com crianças autistas deva partir das produções enigmáticas, sem sentido, repetitivas que são formas próprias de sua tentativa de comunicação. A partir daí oferecer um espaço e tempo possíveis para que se dê a possibilidade de uma construção psíquica infantil, que por alguma razão não se constituiu ainda. Imagem: Luciano F.

sábado, 7 de outubro de 2023

Tratamentos do sofrimento mental

"TRATAMENTOS DO SOFRIMENTO MENTAL"

 A crise atual no campo da saúde mental, efeito das intensas e aceleradas mudanças na atualidade, não trata como deveria o sofrimento mental de quem cuida de um familiar portador de Alzheimer. Vive sobrecarga continuada sem tempo para o "EU", sem pausas e com sintomas depressivos, ansiosos e transtornos que levam muitos a questionar o sentido de sua vida, sem vislumbrar saídas possíveis.
 Geralmente quem cuida integralmente são mulheres do familiar adoecido que abdicam de sua vida social, afetiva, familiar, financeira e profissional para cumprir com a rotina difícil e extenuante de cuidados. Encontram-se geralmente sem apoio familiar ou de programas de saúde mental do Estado.
 O tratamento oferecido em massa hoje é a medicação, que é importante para o alívio dos sintomas do mal estar psíquico, mas não trata as causas que geram este sofrimento. 
Faz falta  oferecer espaço de tempo para a narrativa da história particular e dor psíquica do cuidador. Sua angústia não é acolhida e reconhecida por grande parte dos  profissionais da saúde mental, que deveria acolher e escutar as questões  e impedimentos que  possa conduzir o cuidador a alguma transformação subjetiva. 
 As associações e redes de apoio, geralmente organizadas por mulheres que já cuidaram de um familiar com demência, tem cumprido esta função

Ana L. Esteves

terça-feira, 4 de abril de 2023

"O DIFÍCIL LIMITE E AFETO ENTRE PAIS E FILHOS"

Na atualidade as leis que regem a convivência entre as gerações têm se diluído, faltando referência e consistência nas palavras, afetos e ações do adulto na relação com as crianças e jovens. Efeito dos avanços do mundo tecnológico e globalizado, que provoca mudanças nos valores, padrões de comportamento e relação entre as pessoas. Com a pluralidade de posturas e escolhas é difícil definir o que pode ou não pode na educação dos filhos. Pensar como transmitir e localizar os limites entre o prazer e o desprazer, que a realidade cotidiana nos impõe, motor do desenvolvimento infantil. Observamos um excesso como resposta, que vai da superproteção ao desamparo, e a tentativa de uma rápida solução medicamentosa. Informação, reflexão e troca é essencial para nos localizarmos na atualidade como pais, sustentando com olhar, palavras, escuta e afeto a referência que precisam.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Ética e Clínica no Autismo Infantil


Após o nascimento o sistema neurológico do bebê ainda está em formação.  A percepção e reação aos estímulos externos ocorrem sem que tenha consciência de si próprio, ou seja, ainda não se reconhece como o sujeito de suas ações e sensações. No entanto, antes de nascer o filho já apresenta uma existência, quando é nomeado no desejo dos pais, ocupando um lugar no discurso familiar.

O nascimento em si é uma crise primordial que se apresenta ao psiquismo, onde se instala a marca de uma relação biológica interrompida. A placenta  como uma parte de si que perde ao nascer, assim como o seio materno em sua função de corte, simbolizam o objeto perdido, instauram um vazio, um buraco a ser preenchido de um objeto jamais reencontrado e sempre substituído. Jacques Lacan fala de um reencontro com o signo de uma repetição impossível, como a busca incessante no Outro do que falta em nós mesmos.

De acordo com Sigmund Freud, ocorre uma perda da libido que induz o sujeito a buscar fora de si mesmo uma completude. Podemos pensar no mal estar da civilização quando diz que o prazer que se busca nunca será completo, pois sempre faltará algo. Isto nos remete ao nosso mundo contemporâneo com a ilusão do corpo/imagem perfeita ou da tal “felicidade”, ofertada pelo mercado, mas nunca alcançada.

A metáfora do espelho é vital na constituição do sujeito, num circuito pulsional onde a imagem do corpo vai sendo construída nas trocas corporais, gestos e na voz que o adulto vai recobrindo de sentido. O desamparo de um recém-nascido para além do orgânico é fundamentalmente um desamparo simbólico, quando começa a habitar marcas, traços e caminhos oferecidos pelo adulto em busca de satisfação e reconhecimento. Assim vai se introduzindo na cultura, constituindo sua subjetividade inicialmente através do Outro primordial materno e, posteriormente,  na interdição paterna  representará a realidade, a relação no mundo.

Ocorre que no autismo infantil este processo de constituição do psiquismo, nos primeiros anos de vida, se encontra bloqueado numa blindagem que não torna possível a conexão e relação com o desejo do Outro, defendendo-se da linguagem e do mundo.  É como se não houvesse objeto perdido, encontra-se restrito ao organismo biológico, com seu corpo constituído apenas como uma superfície refratária a trocas, sem percepção de si e impossibilitado de constituir um corpo pulsional. 

Além do corpo físico há uma corporeidade pulsional, um circuito de força que possibilita a construção da imagem corporal que a criança autista não consegue alcançar. Há uma força que não se deixa apreender entre o corpo e o psiquismo e que precisa representar-se encontrando uma expressão simbólica, caso contrário vai se repetir, sem espaços perdidos ou bordas a serem inscritas.

Há uma recusa do Outro, que é sentido como invasivo e ameaçador. Recusa do olhar, do alimento, do corpo e principalmente da voz como uma trava em todos os circuitos pulsionais, numa defesa incessante. Seus atos que aparentam não ter sentido, diminuem sua agitação e angústia. 
Em sua relação com os objetos não aparece o brincar, mas um manejo de encher e esvaziar que se repete de forma compulsiva, e as séries em um contato visual tão próximo que chega a colar com o objeto.     
O mutismo não se relaciona a uma incapacidade fisiológica ou a um déficit, mas a uma impossibilidade de enunciação. 
A criança apresenta-se como objeto de cuidados, fracassando em sua enunciação e não surgindo como sujeito do inconsciente.

A incidência dos sintomas de autismo na atualidade relaciona-se  às mudanças na subjetividade contemporânea, nas novas e múltiplas formas de relação no mundo sob os efeitos negativos da política neoliberal.

Os aspectos neurológicos apontados pela neurociência permanecem apenas como uma possibilidade não demonstrada. O autismo não é localizado em exames de sangue ou cerebrais, pois o diagnóstico é clínico, nos sintomas que se apresentam.

Com o DSM-5 (2013), o espectro autista se transforma em um transtorno do neuro-desenvolvimento, que prioriza a adaptação cognitiva em detrimento da complexidade psíquica e apaga o sujeito a ser trabalhado subjetivamente, visando especialmente a adequação do comportamento. O efeito é a patologização da infância, epidemia diagnóstica de autismo, medicalização crescente de crianças e tratamentos adaptativos que automatizam o comportamento. Abordagem divulgada nas mídias, que propaga uma falha no cérebro que não está comprovada pela  ciência, treinando crianças sem levar em conta as causas, os afetos singulares e o entorno familiar tão importantes para o tratamento.

Penso que a intervenção com crianças autistas deva partir das produções enigmáticas, sem sentido, repetitivas que são formas próprias de sua tentativa de comunicação. A partir daí oferecer um espaço e tempo possíveis para que se dê a possibilidade de uma construção psíquica infantil, que por alguma razão não se constituiu ainda.
É uma aposta ética na possibilidade do surgimento do sujeito/criança, em uma prática clínica que dê condições de poder encontrar saídas próprias  para este estado e gerir as trocas de prazer/desprazer, inicialmente, com sua forma particular de inserção e relação no mundo. 
Há um sujeito a ser escutado e reconhecido em seu modo singular de funcionamento, da expressão no corpo, humor e comportamento, revelando um sofrimento psíquico. 
Uma criança a ser tratada, e não treinada  para adaptar-se socialmente.

J. C. Maleval cita em Étonnantes mystifications de la psychothérapie autoritaire: “(...) Se insistem nas coisas que vocês consideram normais, encontrarão frustração, decepção, ressentimento, inclusive raiva e ódio. Se se aproximam respeitosamente, sem preconceitos e abertos a aprender coisas novas, encontrarão um mundo que jamais imaginaram”.

Segundo Marcelo Veras, psiquiatra/psicanalista: “A queda dos ideais fez com que cada vez mais os resultados científicos passassem a ser usados como argumento de autoridade. Contudo, nem tudo pode ser mensurável, nem tudo pode ser convertido em evidência.”

Ana Lucia Esteves