quarta-feira, 24 de julho de 2013

Manifestações de junho: publicidade de sentimentos em um novo tempo e espaço

"A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las." (Santo Agostinho) 



Um encontro de jovens do Movimento Passe Livre posicionando-se contra o aumento abusivo das tarifas do transporte público à multidão que tomou as ruas, chegando às portas do Congresso, surpreendendo o poder público que ao recorrer à violência detona a indignação via redes sociais. O Estado num primeiro momento de desorientação reprimiu, depois como estratégia temendo a rejeição passou a incorporá-lo, investindo  na ingenuidade da população com políticas  públicas apressadas e a promessa de combate à corrupção.  Os meios de comunicação dominantes partiram do desprezo inicial ao desvirtuamento do movimento, e por fim ao reconhecimento das reivindicações e da força da população reunida.

Surpreende que em nossa cultura capitalista individualizada, onde as relações sociais se encontram empobrecidas e esvaziadas pela captura constante da imagem e das relações de consumo imediatas, um movimento possa surgir com tanta força e de forma tão inusitada. A subjetividade coletiva lança uma faísca, formulando uma contrariedade ao ideal de perfeição e completude imaginária impostos pelo mercado no uso de um mal-estar constitutivo. Um corte se fez no gozo social, um ato que faz uma reviravolta na rotina, numa mistura de angústia e coragem de renunciar ao que se recebe e apontar na direção da carência do sujeito e do exercício da lei. Faz lembrar o mito da caverna de Platão onde uma multiplicidade de imagens substituem a realidade, quando as pessoas aprisionadas à caverna vêem sombras e efeitos que acreditam ser realidade.

A entrada do sujeito na cena social carrega a insatisfação e o desejo como elementos comuns. Mal-estar que gerou uma multiplicidade de reivindicações, revelando a crise de representatividade do espaço político atual. Sem a mobilização dos partidos ou sindicatos, sem lideranças, como uma massa anônima de organização horizontalizada e sem identidade política. Em sua maioria, composta por jovens que nunca viveram esta experiência, muitos, desconectados do passado de lutas pela democracia, mas sensibilizados às injustiças sociais.

A violência que deixou marcas no corpo dos jovens é exercida e sentida também na maior parte da população com a precariedade da saúde, educação, segurança e transporte que vivenciamos ou assistimos todos os dias nas imagens e notícias já banalizadas pelos meios de comunicação. O efeito foi um furo no discurso e na ação dos que detém o poder público e o dever de propiciar o atendimento à população na ordem da sobrevivência digna, negligentes com a maioria dos cidadãos em seus direitos essenciais.

A identificação a um mesmo ideal fez a conexão da esfera do particular para o movimento público de forma instantânea, formando um grande laço social. Um limite ético, um ponto de basta, uma declaração pública e em massa  que discorda e cobra outra forma de atuação político-econômica. Muitos jovens não sabem como ou o que reivindicar, mas indignados e insatisfeitos querem que seja diferente. Parece que a opacidade do passado e o sonho do país do futuro veio dar lugar à indeterminação neste sintoma social que marca e constrói a atualidade.


2013


Ana Lucia Esteves
psicanalista