quarta-feira, 1 de maio de 2019

A SOLITÁRIA LUTA DO CUIDADOR DO PORTADOR DE ALZHEIMER, COM PRECÁRIO APOIO FAMILIAR E DO ESTADO

"A solitária luta do cuidador do portador de Alzheimer, com precário apoio familiar e do Estado"  


     A longevidade  traz um aumento do número de idosos dependentes física e psiquicamente,  e cada vez mais pessoas passam a assumir a posição de cuidadores formais ou informais. A história de vida na convivência familiar e social vai determinar o que faz  a pessoa se assumir como cuidador.

     São 24 horas de cuidado ao idoso, seja por um cuidador formal em atividade profissional  remunerada, ou informal quando geralmente um dos membros da família assume os cuidados sem remuneração. Estes  realizam jornada dupla de trabalho e muitas vezes abandonam  emprego ou estudos para poder atender ao intenso cuidado diário.   A maior parte dos cuidadores  são mulheres com mais de 50 anos que na maior parte das vezes  sozinhas e com escasso apoio familiar e do Estado, responsabilizam-se integralmente por uma pessoa com demência, transformando-se no principal agente de convívio e assistência. 

     Com a progressão da demência apesar de todo cuidado e afeto nos vemos diante de um sujeito diferente do que era antes do Alzheimer, que apresenta impulsos libidinais, alheamento ou agressividade que surpreendem o cuidador em sua difícil rotina. As perdas progressivas que acometem as pessoas com demência se refletem no cuidador,  que convive  e testemunha diariamente uma pessoa querida perder-se de si mesma dentro de sua própria casa, até a perda total de sua identidade e mobilidade física.  

     A sobrecarga física e psíquica do cuidador de um portador de Alzheimer é intensa, renunciando para tanto às suas necessidades biopsicossociais em benefício de quem cuida.  O estresse físico, emocional e a restrição nos vínculos  compromete a vida de quem cuida, e  apesar de todo esforço pode comprometer a relação do cuidar. 
     
     É difícil para o cuidador manter sua estabilidade emocional frente a um cotidiano tão árido e estressante, onde o trabalho e os afetos se misturam produzindo conflito e exaustão de ambos os lados.  Sentimentos de culpa, medo, raiva e desamparo são vividos no cotidiano pelo cuidador. 

     Alguns mecanismos surgem no enfrentamento da perda e da proximidade com a morte: a vitimização, a infantilização do idoso, o sacrifício como ato de amor  e frequentemente estados depressivos.

     A angústia do cuidador também surge no luto antecipado onde "o Alzheimer" ( a doença) personifica o medo, a raiva, a culpa e impotência frente às limitações que se impõe e a finitude que se apresenta.

     Familiares próximos por medo ou negligência acabam por delegar os cuidados a terceiros ou sobrecarregam um membro da família. Na maior parte dos casos o efeito de uma dinâmica familiar adoecida em suas relações intersubjetivas, obstaculiza inconscientemente os vínculos, com a repetição de mágoa e ressentimentos pouco elaborados. Também é  importante intervir na dinâmica subjetiva familiar com informação e apoio técnico profissional.

     Promover autonomia considerando o potencial funcional e subjetivo que o idoso ainda possui, na tentativa de retardar o progresso da doença, poderia ocorrer com maior qualidade se houvesse um apoio efetivo aos cuidadores. Deveria haver Informação sobre a doença, prevenção, apoio técnico em como lidar com  as alterações de humor, comportamento e comunicação do portador de Alzheimer. É urgente proporcionar um espaço de expressão e escuta dos temores, angústias e dúvidas do cuidador, do idoso e seu núcleo familiar. Assim terá condições de manejar as crises, resolver conflitos, escutar, estimular e acolher a angústia do idoso.

     A tendência cada vez maior na atualidade é suportar sozinho a dor psíquica, em um individualismo que obstrui as relações interpessoais, que seria um dos caminhos para a saída do sofrimento mental. 

     Ressalto a urgência em cuidar do adoecimento psíquico para além do adoecimento físico, que não tenha como única opção o consumo de medicamentos.

     Cabe ao Estado a responsabilidade de criar e concretizar políticas públicas relativas as  questões psicossociais do idoso. A gestão da Política de Atenção à Pessoa Idosa não deve ser resolvida no âmbito privado, da comunidade ou da filantropia. É diante das necessidades específicas desta população que deve-se oferecer serviços e programas multiprofissionais para atender o cidadão em sua região. 

      Um direito negligenciado, que deve corresponder às necessidades do cuidador,  idoso e de seu núcleo familiar, esperando atuação dos gestores da saúde em um atendimento necessário e urgente.

Ana Lucia Esteves
Psicanalista/Psicóloga